É difícil concluir que não estamos, no mínimo, alterados com tudo o que vem acontecendo. Ainda assim, – acredito – que estou lidando com o isolamento social melhor do que esperava. Desde que começamos a trabalhar de casa oficialmente, no dia 17 de março, se vão 60 dias saindo somente para ir até os serviços essenciais, como supermercado e farmácia.
A verdade é que ainda estamos digerindo tudo isso, mas uma das coisas que tem ajudado é manter a minha rotina, que não foi tão alterada assim, exceto por não precisar ir até a agência. Me levanto todos os dias – um pouco mais tarde do que antes -, tomo banho e me sento na mesa para trabalhar. Arrumei uma mesa que só servia para empilhar coisas e fiz dela meu “escritório”, evitando lugares aleatórios como a cama ou o sofá, porque me desconcentram.
Quando paro de trabalhar, pulo para cama e assisto séries, filmes, leio algum quadrinho ou livro. Poderia ter incluído uma rotina de exercícios também, mas ainda não consegui implementar. Essa foi uma mudança significativa, já que toda quinta-feira era dia de futebol. Nos finais de semana, me reúno com os amigos em chamadas de vídeo, nas quais conversamos e simulamos uma reunião presencial. Tenho sorte de ter tudo isso ao meu dispor.
No fim das contas, reconheço que não estou pirando na quarentena porque sou muito privilegiado. Sou privilegiado por trabalhar em uma empresa que me dá a oportunidade do home office em um período no qual o isolamento social é recomendado; por viver em uma casa com acesso a boa internet e estrutura para trabalhar; e por fazer parte de uma parcela da sociedade que tem condições de encarar problemas de saúde com dignidade.
Não se trata de enxergar o “lado positivo” – até porque não tem –, mas olhar para dentro de si e para a sua volta e perceber que estamos em uma posição de privilégio e que nem todos estão “no mesmo barco”, como tem sido dito por aí. Essa reflexão pode ajudar a ter mais calma para enfrentar a quarentena. Também não se trata de desmerecer quem não está lidando bem, cada um sente do seu jeito. Não é errado estar mal e pedir ajuda, afinal, ninguém esperava por isso.
Em uma conversa recente com um amigo, comentamos sobre a geração dos jovens adultos de 20 a 30 anos estar sentindo os impactos do novo coronavírus de maneira particular. Não somos mais crianças nem adolescentes que crescerão em um paradigma já alterado. Nós vamos passar a viver de sobreaviso, conscientes do que é, de fato, uma pandemia e dos seus efeitos, com uma vida ainda pela frente.
Se a nossa geração será afetada dessa forma, quem sabe nós não usamos essa experiência para valorizar mais ainda nossas conquistas, reconhecer nossos privilégios, nosso lugar na sociedade e, consequentemente, o que estamos dispostos a fazer para ajudar quem mais precisa? Quando tudo passar, o aprendizado vai ficar e espero que sejamos mais conscientes.
Artigo por Guilherme Engelke, jornalista gerente de conteúdo da Cartola – Agência de Conteúdo