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Governo pagou anúncios em sites de fake news – mas não é bem assim

“Governo fez mais de 2 milhões de anúncios pagos em sites de fake news e pornografia”, diz a manchete do Jornal Nacional e de dezenas de veículos de comunicação. 

Não contem comigo para defender sites de notícias falsas.

Não contem comigo para defender sites de notícias falsas, muito menos para vilipendiar o jornalismo profissional ou exaltar blogueiro fascista. Mas, como jornalista e profissional de marketing digital, sou obrigado a fazer um aviso. Entre “fato”, “fake” ou “não é bem assim”, precisamos dar no mínimo um “não é bem assim” para o título do JN e de outros tantos veículos de imprensa. 

A verdade é que a maioria dos colegas fez muito pouco para entender como funciona a mídia digital, e mais confundiu do que esclareceu o público. Me enganei ao presumir que os mecanismos dos anúncios na internet eram conhecidos por uma parte maior da população.

Quando comecei a trabalhar com marketing digital, há 10 anos – e isso que estou longe de ser um precursor -, boa parte dos banners de propaganda eram vendidos pelos próprios portais (UOL, Terra, IG, MSN, Yahoo!). A negociação emulava a dinâmica da TV, rádio e jornal. Quer seu anúncio na Globo? Entra em contato com um vendedor da Globo, compra espaço, seu comercial é veiculado na Globo. E assim também faziam os portais de internet, que concentravam boa parte do tráfego da época.

Eram outros tempos. Hoje, quase já não se anuncia mais em um site. Se anuncia em uma plataforma, que distribui os anúncio por milhões de sites. Com poucos cliques, você compra espaço em quase todos os portais, blogs, canais, etc. Quem domina esse mercado é o Google. Mas há outras empresas do setor, chamado de mídia programática.

As plataformas distribuem os anúncios por milhões de sites.

Quando você navega pela maioria dos sites, se depara com anúncios. Mas o anunciante não contratou diretamente do dono da página. Usou uma plataforma, à qual estão vinculados os sites e inventariados seus espaços de anúncios, que os distribui em negociações instantâneas e automáticas. Se foi a do Google, o espaço pode ter sido contratado inclusive por uma pequena empresa. É só acessar o GoogleAds, subir na plataforma imagens nos tamanhos ali especificados, escolher para quais públicos os banners devem ser exibidos e pagar. Por exemplo: você é dono de uma loja de pesca no Guarujá e escolhe exibir seu anúncio apenas para pessoas no Litoral Norte de São Paulo, com interesse em pesca ou esportes aquáticos. Você paga com cartão ou boleto para o Google e voilá: seu anúncio aparece para pessoas nesta segmentação em milhares de sites. Se o pescador de Guarujá acessar o Blog do Pescador, o anúncio da sua loja estará ali. Se acessar o UOL, estará ali. Se acessar site de fakenews, sua loja de pesca aparecerá ali, bem do lado do artigo que prova que a Terra é plana. 

Como o Google sabe que um internauta tem interesse em pesca? Simples: pelas suas buscas no próprio Google ou pelos anúncios que ele clica, os sites que navega, que repassam esses dados à plataforma. Em contrapartida, o Google remunera o dono do site para cada anúncio que aparecer ali ou por cada internauta que clicar. A página fica com uma parte da grana investida pela sua loja de pesca, o Google com outra (e com os dados do usuário, para vender mais anúncios, de acordo com interesses). E, sim, é nessa mesma plataforma que você dá a ordem para que todo mundo que acessa a oferta da vara de pescar ser “perseguido” por anúncios da vara de pescar, não importa em qual site navegar. É o remarketing – assim chamamos.

Se você quiser saber quem vendeu o anúncio que aparece no site, tem uma dica. Clique no “i” ao lado do “x” do anúncio, que aparecerá o nome da plataforma. Quando não houver este “i”, clique no anúncio e leia a “URL”, aquele endereço da página no topo do navegador: ele deve aparecer comprido, cheio de códigos. Ao lado de cada sequência de letras “UTM”, haverá informações sobre a plataforma e dados sobre a campanha.

E quanto custa um anúncio no Google? Isso varia, mas não tanto. O anunciante pode pagar por cada vez que o anúncio é exibido ou por cada vez que é clicado. Por exemplo: o dono da loja de pesca do Guarujá pode pagar R$ 0,60 para cada vez que alguém clicar no anúncio. Ou, então, R$ 0,003 por cada vez que for exibido (ou seja, menos de um centavo por exibição). Isso é o mesmo que R$ 3,00 para cada mil vezes que aparece. É o Custo Por Mil exibições, ou CPM.

Agora vamos à manchete: “Governo fez mais de 2 milhões de anúncios pagos em sites de fake news e pornografia”. Isso quer dizer que os banners do governo foram exibidos (impressos, outro termo herdado do offline) 2.065.000 vezes. A um custo de R$ 3,00 para cada mil exibições. Mais precisamente, foram gastos R$ 6.195. Seis mil reais de um total de R$ 70 milhões investidos na campanha da Reforma da Previdência. Menos de 1/10.000 da verba total. Ou 0,00008% da verba total. Uma pequena fatia, que o Jornal das Cidades, conhecido por suas fake news, teve de dividir com 842 canais. Se a verba fosse dividida igualmente, seriam R$ 7,43 por canal, sendo que uma boa parte disso vai para o Google.

O governo federal não financiou o Terça Livre com “2 milhões de anúncios”.

Ou seja: o governo federal não financiou o abjeto Allan dos Santos com estes “2 milhões de anúncios”. Isto é miséria. Sugiro à CPI das Fake News e ao judiciário continuarem investigando o financiamento a sites de fake news e blogueiros aliados. Não foi com a campanha de Google ou programática que foram sustentados. E mais: para ter ido tão pouca grana para estes sites aliados, aposto que nenhum manda-chuva da Secretaria de Comunicação interferiu no curso automático dos anúncios, distribuídos entre milhares de sites.

Também já sabemos que não foi o Bolsonaro ou o secretário de Comunicação, Fabio Wajngartner, que acessaram diretamente a plataforma do Google para configurar os anúncios. Provavelmente, nem o dono da loja de pesca a acessa. O que se faz é contratar uma agência especializada para isso. Tanto que o secretário colocou a responsabilidade no agência e no Google.

Mais uma vez, não é bem assim. De fato, a plataforma do Google permite excluir determinados sites ao se programar uma campanha. Ou seja, seria – e é – possível excluir individualmente sites de fake news ou quaisquer outros. Sites de jogos de azar e de conteúdo adulto (pronografia) normalmente são excluídos por padrão.

A depender de mim, sites de fake news, sejam de direita ou esquerda, apodreceriam no esgoto da internet, excluídos de toda e qualquer campanha. Ficariam à míngua, sem grana alguma. O movimento Sleeping Giants fez, para a ética na publicidade e nas comunicações, em pouco mais de um mês, muito mais do que o mercado conseguiu nos últimos anos. 

Mais do que isso, fez com que nós, representantes de agências digitais, tivéssemos de encarar de frente o assunto. Temos discutido intensamente o tema no âmbito da Abradi, a Associação Brasileira dos Agentes Digitais. Mais do que nunca, acreditamos que o trabalho profissional das agências é fundamental para orientar empresas e proteger a saúde das marcas. Porém, essa é uma responsabilidade compartilhada entre agências e clientes – e também plataformas, das quais cobraremos cada vez mais transparência.

Não se trata de incluir ou excluir sites nas campanhas por vontade única do profissional de mídia: não somos juízes supremos para decidir o que é ético e o que não é; qual site é sério e qual é picareta. Se trata, sim, de informar os clientes das possibilidades de exclusão e dos riscos às marcas ao se utilizar a mídia programática sem supervisão profissional; e, claro, de orientar as empresas sobre formas de lidar com o assunto e saídas possíveis para preservar a credibilidade das marcas.

Contexto importa, sim. Ainda bem.

Uma coisa é certa: a era em que bastava subir os banners nas plataformas, em busca do menor preço por clique ou por exibição, já era. A propaganda digital já dava muito mais trabalho do que a offline; e dará cada vez mais. As agências serão cada vez menos apertadoras de botões. Até porque, se houve tempo em que “o importante era mostrar o anúncio certo para a pessoa certa”, isso ficou para trás. Agora, também é preciso mostrar o anúncio certo, para a pessoa certa, no lugar certo. Contexto importa, sim. Ainda bem.  

Artigo por Sebastião Ribeiro, Diretor Comercial da Cartola – Agência de Conteúdo