Faz nove anos que trabalho com comunicação para marcas. Com marketing, propaganda, branded content, design, mídia, etc… Mas coloque uma ficha cadastral com o campo “profissão” na minha frente e lasco na hora: “jornalista”. Pergunte aos meus filhos o que o papai é, e eles dirão: “jornalista”. Podia colocar “empresário”, “bacharel em comunicação social”, “diretor comercial”, ou outras denominações que talvez digam mais sobre minha rotina diária de trabalho.
Sim, porque eu tenho orgulho de ser jornalista. Mas também porque tenho consciência de que uma boa parte das habilidades que uso no dia-a-dia trabalhando com marcas foram forjadas ao longo de mais de uma década de estudo e labor eminentemente jornalístico. Trabalhando em redações e, muito, na rua, “reporteando”.
Hoje, boa parte dos meus colegas de faculdade de jornalismo estão, como eu, trabalhando com propaganda e marketing. Em agências e empresas. A crise do jornalismo, a morte do impresso, a emergência do marketing de conteúdo e muitas outras questões conjunturais contribuíram para isso.
Mas não é só uma questão de necessidade. Tampouco fruto somente da crise nos antigos modelos de propaganda, baseados na mídia paga e no que está explicadinho neste artigo: “Por que seu time de marketing deve ser de jornalistas”. É também nesse artigo que você lê: “ao contrário dos marqueteiros, jornalistas focam na audiência em primeiro lugar, e na marca depois”.
“Unlike marketers, journalists focus on audience first and brand second.”
A verdade é que o jornalismo tem muito a ensinar para qualquer um que trabalhe com marcas. Tipo o quê? Vão aí cinco exemplos de habilidades que aprendi nas redações e nas ruas.
1. Manter o foco no consumidor
Com exceção de uma ou outra vez que vem uma ordem para fazer uma reportagem de tal tamanho sobre tal empresa anunciante (o que chamamos de “pauta 500”, ou, se for muito espaço, de “pauta 5.000”), todo o processo de planejamento editorial tem foco no leitor ou telespectador. Você tem de ser relevante para a sua audiência. Bobeou, ela troca de canal, para de assinar o jornal. Vez que outra, quando estamos numa discussão sobre mídia para algum cliente (e, sim, mídia paga é necessária) nos botamos a refletir: “caceta, como jornalista as pessoas pagavam para acessar o que produzíamos; como marqueteiros, a gente que paga para elas verem”. Um colega, o Solon Brochado, foi quem cunhou:
Conteúdo é o que você paga para ver; propaganda é o que você paga para não ver.
Não é à toa que o marketing de conteúdo ganhou relevância nos últimos anos. Em um mundo conectado, minado de ad-blocks, em que a audiência pode escolher o que e quando ver, a busca é por uma comunicação menos interruptiva. Mas mesmo quando usando formas interruptivas ou fazendo propaganda tradicional, vale lembrar o que qualquer jornalista tem como princípio: mais foco no destinatário da mensagem e em como ele a receberá; menos foco no que a marca acha sobre si mesmo.
2. Ouvir, ouvir e ouvir
Reporteando, a gente aprende a ouvir – a ouvir com atenção e paciência. Sabe que a capa pode sair de um comentário despretensioso, no meio de uma conversa aborrecida. Que a grande história pode surgir na hora de dar tchau. O “outro” é a fonte do trabalho do jornalista. O ouvido é o maior instrumento do repórter.
O ouvido tem de ser mais usado na propaganda. É preciso ouvir – e ouvir muito e respeitar – o cliente na hora do briefing: ninguém vive mais o negócio quanto ele. É preciso ouvir o consumidor ao planejar. E ouvir o consumidor depois de entregar. Seu cliente vai agradecer. Suas equipes de planejamento, criação, conteúdo vão agradecer.
Como no jornalismo, no marketing as grandes histórias podem estar escondidas – e só um bom ouvido poderá descortiná-las.
3. Agilidade para mudar rumos
O jornal entra no ar às 19h45, e o VT tem de estar fechadinho até esta hora. Impreterivelmente. O fechamento da primeira edição do impresso é 21h e ponto. Do momento que você recebe a pauta, no início do dia, ou, ainda mais comum, no início da tarde, até o deadline, muita água vai rolar. Cada entrevista feita trará novas informações, novos caminhos para a apuração. A qualquer momento, assuntos mais quentes emergem, e o jornalista tem de mudar toda a edição do dia. Ou, no mínimo, “virar a página”. O editor e o repórter têm de ser ágeis, maleáveis. O social media, o analista de marketing, o publicitário, também!
Se você quer que a sua marca converse com o seu consumidor, é preciso estar conectado com o que acontece no mundo, com o que as pessoas estão conversando nas ruas, nas mesas de bar, na internet. É preciso ser rápido para ajustar sua comunicação ao ‘talk of the town’. Cinco horas depois, e o meme pode estar velho. Uma hora, e você perde uma oportunidade valiosa de promover o seu produto.
Tem mais: se você analisa os dados do mês e vê que um tipo de mensagem desempenha melhor do que outro, não seria hora de adaptar seu plano inicial? A era dos megaplanejamentos anuais, estanques, “imexíveis”, mais pesados que uma preguiça gigante já era. Mensurar e adaptar é a regra no marketing. Sempre foi no jornalismo.
4. Precisão com os números
Por quase 10 anos, atuei como repórter de economia. Tabelas, gráficos, contas sempre fizeram parte do meu dia-a-dia como jornalista. Uma vírgula errada arruína a reportagem inteira. Confundir pontos percentuais com variação percentual estraga uma matéria. Uma regra-de-três mal feita pode matar uma pauta. Cada dígito errado em uma reportagem publicada dói. E a manchete pode estar escondida em uma única linha de Excel, entre milhares e milhares de dados. Saber interpretar os números é mister para um jornalista.
Quando comecei a trabalhar com marketing, logo me deparei com as ferramentas de Analytics. Primeiro, com FacebookInsights, Google Analytics, métricas de mailmarketing. A seguir, com tabelas de mídia e siglas: CPM, CPC, CTR… Oba! As tabelas continuariam ao meu lado – linhas e mais linhas de Excel! Um desespero para alguns; uma diversão para quem sempre lidou com gráficos e números.
Precisão e respeito aos dados: uma habilidade comum nas editorias de economia; uma habilidade fundamental no mundo do marketing data-driven.
5. Generalismo e adaptabilidade
O jornalista é, quase sempre, um generalista. É aquele que sabe um pouquinho sobre qualquer coisa. Ou melhor, que não sabe nada, mas conhece todo mundo que sabe tudo. Com as perguntas certas e alguma esperteza, dá pra mandar bem. Eu mesmo já fiz reportagens sobre mexilhão dourado, sêmen sexado em bovinos de leite, reserva de xisto betuminoso no RS, crise do subprime, promessas da patinação gaúcha, biomassa em forma de pellets…
Quando um potencial cliente liga dizendo: “eu preciso uma agência, mas meu negócio é muito difícil de explicar”, tenho vontade de responder: “duvido que seja mais difícil do que explicar o arroz mutagênico”! Como jornalista, desenvolvemos uma admirável capacidade de compreender temas complexos, simplificá-los e entregá-los mastigadinhos ao leitor ou telespectador.
Claro, à medida que se trabalha o marketing de alguns setores específicos, ganha-se algum diferencial em termos de especialização. Aqui na Cartola, por exemplo, já fizemos um bom número de jobs para o setor agro e educação. Têm lá suas especificidades, e aprendemos a cada dia. Mas com uma boa conversa, uma boa pesquisa e alguma prática, adaptar-se a negócios diferentes não chega a ser o maior dos desafios que enfrentamos.
E você: lembra alguma outra habilidade típica de jornalistas que usamos no marketing? Comenta aí!!!
Sebastião Ribeiro é Sócio-Fundador na Cartola – Agência de Conteúdo